Era uma vez um mundo onde as mulheres eram cozinheiras, mas não tinham o direito de se tornarem chefs.
O papel de destaque numa cozinha cabia, historicamente, ao homem. Tal como outras profissões, que eram supostamente destinadas apenas ao sexo masculino, num passado não tão distante.
As razões argumentadas para a não inclusão da mulher numa cozinha profissional eram várias: a mulher não tinha a aptidão física requerida para a atividade de chef; alguém tinha que cuidar da casa e da educação dos filhos; o grau de sensibilidade gustativa dos homens era mais apurado do que o das mulheres e as mesmas não tinham a habilidade para gerenciar grandes cozinhas com uma infinidade de sous-chefs e ajudantes. Estes argumentos foram largamente utilizados por cozinheiros famosos por anos e anos até décadas atrás. O reputado chef francês, Paul Bocuse, além de ser reconhecido pela excelência de sua comida e criações culinárias, era também conhecido pelas opiniões negativas sobre a entrada da mulher nesse ramo profissional.
Na França, num universo gastronômico dominado completamente pelos homens, algumas mulheres conseguiram se sobressair e deixar um registro para a posteridade. Elas, no entanto, não eram chamadas de chefs, mas de mães (mere, em francês). Geralmente eram esposas de hoteleiros ou donos de pequenos restaurantes e conheciam a arte de cozinhar desde o nascimento, transmitida pelas mães que faziam como as avós.
A felicidade proporcionada por elas com a calorosa cozinha oferecida, as transformavam em rainhas nos corações dos felizardos hóspedes. A herança que essas mulheres deixaram tem inspirado os grandes chefs cozinheiros da atualidade.
Uma das mais famosas é a "Mere Poulard", do Monte Saint Michel. No final dos anos 1800, ela se tornou conhecida por acolher os viajantes com uma omelete cuja receita acabou virando lenda. Para uns, a fama era devida à qualidade dos ovos e da manteiga utilizada, para outros era por conta da adição de crème e, segundo o conselho da própria, "nada como o calor da lenha queimada". Até hoje, indo ao Monte, pode pedir o famoso omelete em qualquer restaurante, pois todos garantem ter a receita original.
Muitas das criaçoes gastronômicas francesas são devidas a outras mães admiráveis, como a "Mere Brazier", "Mere Fillioux" e "Mére Léa", todas da cidade de Lyon. Outra bastante conhecida é a "Mere Blanc", de Vonnas.
Nós também temos as nossas mães e avós inspiradoras. São mulheres anônimas que nos transmitiram receitas especiais e únicas da cozinha brasileira. Conhecimento que foi passado de geração pra geração conservando-se o paladar original.
A popularidade da mulher na cozinha se deu também na sala ao lado: mulheres escritoras que se dedicaram a catalogar, testar e criar novas receitas, publicando-as e ajudando na nossa familiarização com a arte culinária.
Nos Estados Unidos, a mais destacada é Julia Child. Americana da Califórnia, ela foi morar em Paris, nos anos 50, acompanhando o marido que era empregado da embaixada. Lá, estudou na escola Le Cordon Bleu e trouxe todos os fundamentos da gastronomia francesa para os Estados Unidos. Publicou livros, teve programas em televisão e, até hoje, é considerada uma referência quando se fala na cozinha americana.
No Brasil, temos várias e várias mulheres que contribuiram para a nossa formaçao culinária.Nomes como Helena Sangirardi, Maria Stella Libânio Christo, Ofélia e tantas outras, nos levaram a viajar no mundo sensorial dos aromas e sabores da cozinha. Foram elas que abriram caminho para as mulheres que hoje fazem maravilhas como chefs no Brasil.
Texto por: Cristina Brayner